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por Maria Helena da Bernarda

Americo Silva 1 Helena da Bernarda

AMérico Silva


(publicado a 31 de julho de 2023)

1|3 ENTRE AS MÃOS UMA GUITARRA - O Comboio Foguete
“Estou há 7 anos na Casa do Artista, de que sou sócio desde a sua fundação, por ser muito amigo do Raul (Solnado) e do Armando (Cortez).
Sentia-me um homem jovem até apanhar Covid três vezes consecutivas, doença seguida de uma fractura do fémur, de que estou ainda a recuperar-me. Desde então, já não sou o que era. Aceito fazer o ‘deve e o haver’ de uma vida intensa, dedicada essencialmente à música e ao espectáculo.
Ao contrário do velho rifão que sugere dizer que voltaria a fazer tudo o que fiz, eu afirmo que faria ‘quase’ tudo o que fiz. Mas há coisas de que me arrependo, sem dúvida.
Nasci em Amarante há 85 anos, tendo sido o primeiro da família a mudar-se para o Porto, ainda não tinha completado os 14. Amarante já era pequeno para mim. No Porto, fui residir em casa de um primos e comecei a trabalhar numa farmácia. Mas aquela vida sem emoção também não me bastava. O que me chamava, e viria a ser o maior amor da minha vida, que coloquei sempre à frente de outros, foi a música. Fiz dela a minha vida, a minha profissão, a minha deusa.
Fui um autodidacta no canto e na guitarra, fazendo do fado a minha melhor forma de expressão artística. Em 1957 concorri a um concurso radiofónico que se chamava ‘O Comboio Foguete’, tenho saído vitorioso na classe de fado. Há momentos que definem uma vida e esse foi um deles. A partir daí, tudo seria consequência. Viria a constituir diversos trios polifónicos com algum sucesso, entre os quais, ‘Os Três de Portugal’.
Já com uma agenda de espectáculos composta, fui apurado para o serviço militar e um dos quatro sortudos que, por sorteio, escapou ao Ultramar.” Fotografia: Mª. Helena da Bernarda

AMerico Silva 2 Helena da Bernarda


(publicado a 1 de agosto de 2023)

2|3 ENTRE AS MÃOS UMA GUITARRA - A Experiência
“Cumprido o serviço militar no Estado Maior do Exército, retomei o meu trio de sucesso. Recordo que um dia tínhamos um concerto marcado em Espanha. A TAP não cumpriu o horário do avião; como nós tínhamos contrato firmado para actuar naquele dia, a companhia colocou um Super Constellation à nossa disposição para chegarmos a tempo a Málaga, com destino a Marbella.
Os contratos no estrangeiro não paravam. Mas os trios que eu integrava não eram sempre os mesmos. Um deles foi o ‘Trio Boreal’, mas aquele que considero o melhor dos melhores, tecnicamente o mais consistente, chamava-se ‘Os Arautos’. Eu cantava e tocava requinto e viola.
Ao longo desta vida fantástica, conheci pessoas marcantes. À cabeça destaco a minha mulher, a única com quem casei e a mãe dos meus dois filhos - uma rapariga e um rapaz, ela 3 anos mais velha - mas também conheci figuras do mundo do espectáculo, amigos que viriam a tecer a minha carreira com fios e desafios muito interessantes…
Conheci o maestro Xavier Cugat nos espectáculos televisivos onde toquei, durante os quais ele regia a orquestra com um chihuahua no bolso da lapela, de patinha de fora balançando ao ritmo da música. Conheci o meu grande amigo e empresário Senhor Almeida, pai do Carlos do Carmo e dono do Faia, um espaço, naquele tempo, pequeno em tamanho mas enorme como referência do fado. De certa forma, o Senhor Almeida foi meu pai também: pai artístico, naturalmente.

Conheci ainda o Luiz de Campos - falecido aqui na Casa do Artista - o responsável de uma mudança radical na minha vida e proprietário de algumas das melhores casas de espectáculo no Brasil - São Paulo e Rio de Janeiro - e uma em Portugal. Um dia, o Luiz enviou-me uma carta dizendo que precisava muito de mim no Brasil… no prazo de uma semana. Ele sabia ser persuasivo. Eu já estava casado, tinha os dois filhos, tocava no Porto mas, confesso, fiquei muito seduzido por uma proposta tão tentadora. A minha mulher não me desencorajou e decidimos que valia a pena a experiência.
Fui, sem imaginar que viveria no Brasil 24 anos, 12 dos quais de uma assentada, sem vir a Portugal visitar a família.”
Fotografia: Mª. Helena da Bernarda

AMerico Silva 3 Helena da Bernarda


(publicado a 2 de agosto de 2023)

3|3 ENTRE AS MÃOS UMA GUITARRA - Amores
“A mulher e os filhos não foram de início porque havia a escola, a vida organizada aqui, enquanto a minha era uma total incerteza. Fui ficando, fomo-nos acostumando e a verdade é que estive 12 anos sem cá vir, embora nos falássemos todos os dias pelo telefone. Esse foi um erro que gostaria de não ter feito. Nunca nos divorciámos, mas nunca voltámos a ser um casal funcional. O casamento ficou ferido de morte pela distância, mas a amizade não. Infelizmente ela faleceu muito cedo. Ela foi a mulher da minha vida, afirmo-o sem vacilar.
A relação com os meus filhos é a possível. As marcas de um pai ausente terão ficado e várias vezes eles mo referiram. Mas pelo bem que lhes quero, pelo amor que lhes tenho, eles hoje compreendem-me. Não fui um pai nem um marido exemplar, mas sou um homem genuíno. Sou ainda um avô devoto de uma única neta de 32 anos que trabalha em Barcelona e que infelizmente pouco vejo. Agora, cabe-me a mim provar o amargo sabor das suas ausências.
Quando cheguei do Brasil, vim completamente agarrado à guitarra portuguesa. Era ela que eu abraçava todos os dias, a minha maior paixão, a certeza do meu futuro. A música falou sempre mais alto.
Só na Taverna d’El Rey, em Alfama, toquei mais de 12 anos. Mas corri as casas todas: a Adega Machado, o Faia, a Severa,… todas. Cantava e tocava. Se eu ia só como guitarrista, pediam-me para cantar; se eu ia para cantar, pediam-me para tocar. Nunca me escapava de fazer as duas coisas. Voltaria ao Brasil onde vivi, ao todo, quase 25 anos.
Ao longo da vida, tive muitas namoradas. Cheguei a viver maritalmente, mas casar não. Se admito que me arrependi do afastamento prolongado da família, tenho de ser honesto para dizer que não me arrependo de ter namorado nenhuma das mulheres que passaram pela minha vida.
Conheci pessoas tão interessantes, que não consigo preferir não as ter conhecido. Fui sempre honesto. Mais do que um homem de paixões, fui um homem de convicções, o que me levava a assumir cada relação. A mentira é o que mais me repugna. Acho que é por isso que aos 85 anos não tenho más memórias.
Não consigo imaginar uma vida sem música, sem verdade e sem amor.”

Fotografia: Mª. Helena da Bernarda

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