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“Aqui não é permitido envelhecer.” – Armando Cortez
por Maria Helena da Bernarda
(publicado a 23 de dezembro de 2023)
O TEMPO DOS OUTROS
“Faço voluntariado no Hospital de Santa Maria e na Casa do Artista, para onde venho todos os dias dos meus últimos 23 anos.
Casei há 55 anos, com 19 apenas, pouco antes de o meu marido embarcar para a Guiné. Assim que ele partiu, fui imediatamente tratar da minha viagem. Lá permaneci enquanto ele cumpria o serviço militar. Na Guiné, um país em guerra onde não havia nada, nasceu a filha mais velha. Mas nunca admiti regressar sem o meu marido.
Hoje essa filha tem 52 anos e o filho 46, ambos equilibrados e bons profissionais. Sinto-me plenamente satisfeita no meu papel de mãe, que levei sempre a peito.
Fui funcionária administrativa, mas após os filhos saírem de casa, comecei a interessar-me pela área da Saúde. Em boa hora, pois quando os meus pais adoeceram, levei-os para minha casa e deixei o emprego. Eles precisavam mais de mim do que a empresa.
Não só tratei dos meus pais a tempo inteiro, como da minha sogra. Cuidei dos três durante alguns anos. A única ajuda que tinha era a de uma senhora que trabalhou em minha casa quase uma vida, até falecer.
Eu levantava-me às 5h para tomar o meu banho, depois dava o banho à minha mãe, ao meu pai e à minha sogra, por esta ordem.
Foi há 26 anos, após o falecimento da minha mãe, que iniciei voluntariado no hospital. Três anos depois comecei aqui, tinha a Casa do Artista inaugurado dois anos antes. Comecei quando o senhor Armando Cortez faleceu.
Não faço voluntariado pelo reconhecimento, mas confesso que por vezes, sinto falta de um sorriso ou de um abraço de agradecimento.
Ao hospital vou um dia por semana, mas aqui venho todos os dias, de manhã à noite. Não sei se são os residentes que não me largam, sempre a pedir atenções, se sou eu que não os largo. Vivo isto com muita entrega e grande vontade de saber. Não falho as formações com médicos, para poder prestar os cuidados mais adequados às pessoas especialmente debilitadas ou acamadas. O meu marido diz-me: ‘Tu já não sabes viver sem aquela casa!’ Se calhar, ele tem razão!
Só desejo continuar a ter saúde, porque tenho tanta gente todos os dias aqui à minha espera. Fiz do meu tempo um tempo dos outros, de tal forma que hoje, já não sei que tempo é o meu.”
Fotografia: Mª. Helena da Bernarda