Redes Sociais
Mais Informações
Menu
“Aqui não é permitido envelhecer.” – Armando Cortez
por Maria Helena da Bernarda
(publicado a 21 de dezembro de 2023)
1|2 HELENA VIEIRA - Perdas
“Vim há 6 anos e uns meses para a Casa do Artista, quando, aos 74 anos, fiquei sem a minha mãe. Faleceu em 2017, com 93 anos.
Em 2002, divorciei-me, por mútuo acordo e com o beneplácito do nosso único filho. Nem ele já nos via como um casal. Na verdade foi o meu marido (*) que quis voar e eu não lhe cortei as asas. Respeitei a sua vontade e, talvez por isso, mantemos uma relação de boa amizade. Um casal não se deve manter com o sofrimento de uma das partes. O meu filho foi fantástico no apoio aos dois. Digo, por graça, que ele é a melhor ária de ópera que já cantei. (risos)
Foi o meu único casamento e não refiz a minha vida porque simplesmente não apareceu ninguém que me interessasse. Não me apetecia passar entrar numa nova relação que não fosse com alguém melhor.
Aproveitei para preencher a minha solidão de uma forma positiva: trouxe os meus pais, na altura ainda autónomos, para a minha casa de Lisboa. Um dos meus irmãos já falecera e o outro vive no Algarve. Não me importei nada de poder apoiá-los nessa fase da vida, pelo contrário. Fui uma privilegiada!
Nessa altura eu ainda cantava no São Carlos. Lá vivi uma década de ouro, com o Dr. Serra Formigal e o Dr. João de Freitas Branco. Mas os problemas de gestão surgiram e o Teatro fechou portas, para grande desgosto meu.
Pouco tempo depois faleceu o meu pai. Senti uma dor profunda, porque o adorava de paixão. Se eu tivesse encontrado um homem como ele, aí sim! Não são só os meus olhos que o endeusam. A minha mãe também o adorava, e perdia-se com o seu bom humor contagiante.
Com o divórcio, o fecho do São Carlos e a morte do meu pai, fui-me abaixo. Deprimi, ao ponto de precisar de apoio médico para dar forças à minha mãe - também ela deprimida com a morte do seu querido Zé - e suportar a artrite reumatóide de que eu já sofria. Mas alguém tem de aguentar e teria de ser eu.
A minha mãe foi ficando muito magrinha. Eu alimentava-a, fazia a sua higiene, deslocava-a na cadeira de rodas, mas ela mantinha a cabeça sã e era com que eu conversava.
Naquela manhã entrei no seu quarto, chamei: ‘Mãe..., mãe!’ Partiu durante o sono.”
(continua)
(*) O pintor e astrólogo Paulo Cardoso
(publicado a 22 de dezembro de 2023)
2|2 HELENA VIEIRA - O canto
(continuação)
“Com o falecimento da minha mãe, durante dois dias fiquei vazia e inerte, sentada no sofá, sentindo-me sozinha no mundo. Só saía para passear a Patinhas, a cadela que herdei do meu irmão. Quando me apercebi da vastidão do meu vazio, liguei para a Casa do Artista. Quando aqui cheguei, só queria estar deitada. Com o tempo aprendi a aceitar a morte, muito ajudada por um estudo de uma igreja japonesa. Mas a saudade é inevitável.
Infelizmente, o meu filho vive no Porto e não o vejo - a ele e ao meu querido neto de 13 anos - tanto quanto gostaria. Dói-me a distância. Falamos com frequência, dizemos que temos saudades mútuas, mas não é o mesmo que estar fisicamente.
Felizmente… tenho umas amigas do tempo da minha mãe que me visitam e levam a passear. Adoro passar a tarde com elas.
Tenho 70 anos, sou diabética desde criança mas cuido-me. Quero viver enquanto a cabeça funcionar, eu puder cuidar de mim e fizer boa companhia aos outros. Mesmo com as minhas mazelas - caminho com dificuldade - ainda consigo divertir-me e divertir os outros com o fino sentido de humor que herdei do meu pai.
Dediquei a vida profissional ao canto, uma paixão que me deixou grandes memórias. Comecei a cantar muito cedo, tendo cursado o Conservatório. Cantar profissionalmente para os outros, tocar a sensibilidade das pessoas dando o que de melhor tenho e sentir que elas gostam de nós, faz um bem imenso à alma.
Já não posso cantar, mas posso sonhar. Trago dois desejos comigo: para este ano, será rever o meu filho e neto; para os próximos, cumprir o grande sonho de viajar ao Brasil para ouvir ao vivo o cantor, actor e instrumentista Almir Sater. Toca brilhantemente viola caipira, de 10 cordas, descendente da viola braguesa. Adorava conhecê-lo, oferecer-lhe uma viola braguesa - que imagino não tenha - e, sei lá, perguntar-lhe coisas!” (risos)
TOCANDO EM FRENTE
Almir Sater
Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque eu já chorei demais
Hoje me sinto mais forte
Mais feliz, quem sabe
Eu só levo a certeza
De que muito pouco eu sei
Ou nada sei
(…)
É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir