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por Maria Helena da Bernarda

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Maria Isabel Mexia


(publicado a 14 de setembro de 2023)

1|2 UMA COISA E O SEU CONTRÁRIO - O amor
“Completei 90 anos na Casa do Artista, onde vivo há 6 anos, bem acompanhada. Mas mantenho proximidade com os meus sobrinhos, a quem fui sempre muito ligada. Nunca casei. Tive uma vida linear, dentro dos carris da minha geração. Fui professora de piano durante toda a minha atividade profissional.

Ter seguido por linhas direitas não significa que não tivesse as minhas contradições, tão próprias da natureza humana. Não casei mas vivi um amor de 6 anos. O amor é mais delicado e exigente do que a paixão e tive a sorte de perceber esse sentimento. Teria sido expectável ter casado. Não aconteceu porque percebemos que o casamento não resultaria. Havia incompatibilidades que nos afastavam e que envolviam familiares mais conservadores. Mas não lamento esse tempo, porque enquanto durou, fui feliz. E eu não vivo só em função de um propósito, vivo em função da verdade.

Depois… não aconteceu encontrar alguém que me interessasse muito. Não me venham falar em amor único. Eu não estava fechada, mas fui sempre muito independente e nunca procurei nada nos homens.

No meu tempo, o homem estava habituado a ser adulado e eu nunca tive jeito para me submeter a esse papel.

Devo essa postura à minha avó paterna - a avó Alice - com quem vivi muitos anos em Coimbra, cidade onde estudei, dado os meus pais viverem na Lousã. Se não fosse ela, talvez eu tivesse casado muito cedo com um rapaz de quem não gostava e me fazia a corte na minha tenra adolescência. A minha família gostava dele - já cursava Engenharia - mas essa minha avó compreendia-me. Um dia disse-me: ‘Filha, não és feliz. Ele não é homem para ti!’. Ela própria tinha sentido na pele o peso do preconceito. Casou com o meu avô aos 18 anos, quando a paixão dela foi outro rapaz. Mas a sua mãe disse-lhe que preferia vê-la morta a vê-la casada com o homem de quem gostava. E naquele tempo não era fácil contrariar a família.

A minha avó nunca deve ter sido feliz, porque tinha uma personalidade muito à frente do seu tempo, mas uma vida formatada pela tradição.

Devo-lhe a ela a minha independência. Se não fosse ela, teria casado com o primeiro pretendente e não teria conhecido o amor.”

Fotografia: Mª. Helena da Bernarda

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(publicado a 15 de setembro de 2023)

2|2 UMA COISA E O SEU CONTRÁRIO - Deus está para todos
“Fui uma de seis filhos. Fiz o liceu e depois o curso superior de Piano e Composição. Revejo-me na composição musical clássica. Gosto daquela certeza. Gosto da vida regrada, da rotina, do compasso, do som do metrónomo. Gosto da vida sempre igual, dá-me segurança. Daí não me ser fácil adaptar a outros andamentos. É certo que à rotina dos dias tem de se juntar sensibilidade e luminosidade, senão seríamos máquinas vivas.

Às vezes penso que fui sempre uma coisa e o seu contrário, ao ponto de cair na contradição: sou simples e complicada, mas mais complicada do que simples! (risos)

Gostaria talvez de ser mais elástica. Tenho tendência para a preguiça, o que gera um certo desleixo. Forço-me a impor alguma ordem à minha volta. Mas creio que tive sempre a faculdade de comunicar, de evitar o conflito e de gostar das coisas bonitas.

A idade trouxe-me mais tolerância, até para aceitar o que não compreendo totalmente. Por exemplo, tenho dificuldade em compreender a homossexualidade, mas respeito e aceito. Então se as pessoas gostam, quem sou eu para dizer que não é bom? (risos)

A Casa do Artista tem seis pianos mas já não toco. Como estou destreinada e sou exigente comigo, prefiro escrever, que é uma atividade solitária e de que ainda sou capaz. Vou fazendo os meus escritos sobre episódios que vivi ou assisti. O meu sobrinho Pedro lembrou-se de os reunir e editar em livro.

Sou católica, profundamente crente mas não fanática. Rezo todos os dias e acredito que Cristo ultrapassou tudo o que a Musa antiga canta, como dizia Camões. Cristo, no seu tempo, tentou que todos fossem filhos de Deus, desde os poderosos aos escravos. Deus está para todos.

Como rezo por todos, rezo por mim também. Remeto para as minhas orações o que me pode perturbar, nunca para um psicólogo. Rezo para não cair e fracturar um osso. Rezo para não precisar dos outros. Outro dia até pensei que se rezo a Deus e aos Arcanjos para que não me aconteça nada de mal, então nunca mais morro! (risos)

Não desejo a vida eterna mas quando morrer, que morra em paz! Até lá, vivo o melhor de que sou capaz!”

Fotografia: Mª. Helena da Bernarda

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