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“Aqui não é permitido envelhecer.” – Armando Cortez
por Maria Helena da Bernarda
(publicado a 8 de agosto de 2023)
A SEDUÇÃO DO DESCANSO
“Sou licenciado em Biologia e trabalhei 5 anos como biólogo, mas tive sempre um gosto especial por decoração.
Um amigo cenógrafo, sabendo do meu gosto, desafiou-me para o ajudar na produção de uma nova novela do Nicolau. Eu tinha pouco a perder, pois ainda trabalhava a recibos verdes, pelo que aceitei.
Novela atrás de novela continuei, sempre adorando o que fazia. Em pouco tempo passei a Assistente de Realização e, mais tarde, a Produtor.
Trabalhei muitos anos com o Nico, o que foi sempre um prazer. Com ele estive na Atlântida, depois na Edipim,…, segui-o por onde ele me quis levar, até me contratar numa base fixa quando criou a NBP. Ele era um excelente criativo mas não um financeiro. O Nicolau foi o pai das novelas portuguesas, mas tirou um peso de cima quando vendeu a sua parte na NBP, entretanto designada de Plural após ser adquirida pela Media Capital.
Desliguei-me desta produtora há dois anos, ao fim de 28 de colaboração. Embora estivéssemos em pandemia, havia muito trabalho. Nunca parámos de fazer novelas, com uma logística mais exigente, desde desinfeção a cumprimento de distâncias. Quando havia cenas de beijos, por exemplo, os actores tinham de ser testados dois dias antes.
Com a minha saída percebi que, para eles, tinha chegado o fim do meu prazo de validade, ainda que eu me sentisse competente. Aceitei essa divergência com naturalidade.
Aproveitei a minha disponibilidade para fazer voluntariado na Casa do Artista. Entrei em Novembro de 2021 e, na verdade, não tenho parado de desenvolver projectos. Neste momento estou a produzir um livro de retratos de 100 artistas portugueses, como nunca ninguém os viu.
Este surpreendente projecto, que não deixará ninguém indiferente, envolve a Casa do Artista, a Altice, a SPA e o seu autor e visionário, o Mestre António Homem Cardoso.
Tenho muito gosto em continuar aqui como voluntário até me reformar, o que acontecerá em Março do próximo ano. Haverá então um virar de página. Espero voltar a viajar, talvez mudar de casa e… descansar.
Sempre fui tão activo, que estranho esta sedução do descanso. Será sinal de velhice?" (risos)
Fotografia: Mª. Helena da Bernarda
(publicado a 9 de agosto de 2023)
MARESIA
“Sou filho de uma bonita história de amor e vivo uma bonita história de amor…
A minha mãe residia com a família em Angola. Numa viagem de navio a Portugal, conheceu o meu pai a bordo, pois ele era, na altura, o segundo piloto. O seu romance foi-se desenvolvendo em viagens de longa distância - uma delas a Moçambique - até casarem, dois anos depois. Sempre adoraram viajar.
Eu sou o mais velho de três filhos. Nasci em Angola, tendo vindo de lá com um ano. Fomos depois viver para Moçambique - sempre as longas viagens de barco marcando as nossas férias - mas a partir da idade escolar fixámo-nos em Portugal.
Quando o meu pai partia por 4 meses, umas vezes a minha mãe ficava; outras acompanhava-o, deixando-nos com os nossos avós. Lembro-me que numa dessas vezes fomos todos; foi muito bom. A profissão do meu pai salpicou as nossas memórias de maresia.
Os meus pais tiveram um casamento feliz de mais de 60 anos, só interrompido pelo falecimento dele em 2014, com 89 anos.
Eu vivo com o meu marido há 36 anos. Além disso trabalhámos 19 anos juntos, pelo que nos conhecemos muito bem. Casámos discretamente quando fizemos 25 anos de convivência, sem testemunhas - não quisemos festa - e sem a mínima dúvida do passo que dávamos.
Cheguei a ter namoradas e estive quase para casar, mas eu sentia que não devia ir por aí. Quando tive a primeira experiência homossexual, tive a certeza.
Nunca precisei de dizer nada a ninguém. Os meus pais e até a minha avó perceberam, sem me fazerem perguntas. Conheceram o Ivan, o meu marido, sem qualquer reserva.
Hoje a minha mãe está com 90 a
nos e preocupa-me que ainda viva sozinha. No entanto, sempre foi muito independente, tanto que há uns 6 anos foi saltar de pára-quedas com a minha irmã. Insiste em manter a sua independência mas todos os filhos estão preocupados.
Se eu faço por ser um bom filho, o Ivan tem sido um genro extraordinário. De tal forma que ele mesmo sugeriu voltarmos a fazer um segundo cruzeiro os três, para lhe trazermos de volta a maresia. Fizemos o primeiro, um ano após o falecimento do meu pai.
Agora, aos seus 90 anos, ela merece passar períodos felizes. Na sua idade, cada período feliz vale uma nova vida.”
Fotografia: Mª. Helena da Bernarda