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por Maria Helena da Bernarda

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Sofia Bendinha


(publicado a 6 de agosto de 2023)

1|2 UMA MULHER E TANTO - Simplesmente
“Nasci em Luanda há 49 anos, numa família com boa condição económica. O meu pai era um empresário dinâmico, pelo que nunca nos faltou nada em casa. Ele tinha comércio, um restaurante e ainda um conjunto musical. Era um homem muito desejado, razão pela qual, além dos 12 filhos que teve com a minha mãe - a única mulher legítima - ainda teve mais seis por fora, estando casado. No entanto, havia nele uma certa integridade, que o levou a trazer para casa todos os seus filhos com outras mulheres. Se é verdade que ele foi recto para com as crianças, também é verdade que a minha mãe foi muito bondosa, pois criou aqueles seis meninos como se fossem seus. Eu não seria capaz de aceitar isso ao meu marido, mas não deixo de admirar o altruísmo da minha mãe e a sua capacidade de amar quaisquer crianças, simplesmente.

Nenhuma das mães quis ficar com os filhos porque em casa do meu pai eles podiam ter acesso à mesma educação que os outros irmãos. Não havia diferenças.

Já vivi bem, mas por força da instabilidade crónica do meu país, fui levada a tomar decisões difíceis. Mas nunca tive medo de tomar decisões, mesmo que difíceis…

Quando os meus pais faleceram, os filhos decidiram prosseguir com os negócios. Uns ficaram com o restaurante; eu e duas irmãs começámos a comprar roupas, malas e calçado na África do Sul e vendíamos na loja. Mas as angolanas que importavam daquele país começaram a ser roubadas. Havia angolanos que informavam sul-africanos das nossas características físicas e, por duas vezes, sofremos tentativas de assalto. O dinheiro já não ia nas nossas malas, ia dentro dos nossos penteados. Trocávamos de roupa dentro dos aviões, para não sermos identificadas. Tornou-se tudo tão difícil que decidimos começar a comprar no Brasil.

O estrangeiro seduzia-me, mas não o Brasil. O país que desde pequena me chamava para viver era o Canadá. Já tinha tentado por duas vezes tratar da documentação para emigrar para o Canadá, mas sem sucesso. Como os negócios iam correndo bem, apesar de todas as dificuldades, fomos pensando mais alto, até que surgiu a ideia de importarmos carros, motas e geradores através do Dubai. E lá fomos nós!”

Fotografia: Mª. Helena da Bernarda

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(publicado a 7 de agosto de 2023)

2|2 UMA MULHER E TANTO - Dignidade
“O negócio foi crescendo e, na mesma proporção, a confiança dos fornecedores em nós. Tanto assim foi, que passámos a fechar contentores sem necessitarmos de nos deslocar ao Dubai. Pagávamos antecipadamente e tudo corria bem, até ao momento em que começaram a faltar peças.

Descobrimos que era na alfândega angolana que as peças desapareciam. Para não perdermos tudo, tivemos de começar a mandar vir contentores com as peças que faltavam, o que era um custo extra relevante. Passámos de ter uma empresa lucrativa a perder dinheiro.

Reflecti muito e percebi que não era possível nem ser empresária, nem ser feliz num país onde há sempre uma ratoeira preparada para nos entalar.

A vida estava a ficar cada dia mais difícil e eu não queria aquilo para os meus filhos. Casada e com três filhos - dois rapazes já criados e uma menina menor, com 12 anos - disse para comigo: ‘Se não vamos para o Canadá, vamos para Portugal!’

Em 2017, vim à frente com a menina. A seguir vieram os dois rapazes - na altura ainda solteiros - e só um ano depois veio o meu marido.

Felizmente não tive dificuldade em arranjar logo trabalho. Entrei como auxiliar na Casa do Artista. O que faço não tem nada a ver com o tipo de actividade que eu fazia, mas cada coisa no seu tempo. Não me queixo de nada, nem sinto que tenha um trabalho inferior, apenas diferente. O trabalho, qualquer que ele seja, dignifica a pessoa.

O meu marido teve mais dificuldade em arranjar emprego mas também já trabalha na construção civil, na área das instalações eléctricas.

Aproximo-me dos 50 anos mas sinto que ainda não entrei na última etapa. Nunca esqueci os conselhos do meu pai, um homem viajado que sempre nos dizia: ‘Nunca se limitem, não desistam nunca dos vossos sonhos; se for para arriscar, arrisquem, para que amanhã não se arrependam!’

Eu herdei muito do espírito do meu pai: sempre sonhei grande. Por isso, acredito que isto é mesmo uma fase e que o meu velho sonho de criança ainda se vai concretizar: ir viver para o Canadá!

Tenho a certeza de que se eu for para o Canadá, não só o marido como todos os filhos me seguirão. É que dizem que sou o motor lá de casa!” (risos)

Fotografia: Mª. Helena da Bernarda

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