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por Maria Helena da Bernarda

Carlos Paulo 1

CARLOS PAULO


(publicado a 5 de janeiro de 2024)

1|2 CARLOS PAULO - a minha vida
“Há seis meses sofri um AVC, no teatro A Comuna, em pleno palco. Eu fazia a última parte da peça sentado numa cadeira, falando com o público. Quando as luzes se apagaram, tentei levantar-me mas era como se a minha perna esquerda tivesse desaparecido. Não sentia dor, mas uma insensibilidade total. Ainda fui aos aplausos, amparado de ambos os lados, pensando que tinha tido uma cãibra.
Fiz reabilitação diária num centro perto de Mafra, onde estive internado, mas ali sentia-me deslocado, perdido. Consegui a admissão aqui na Casa do Artista e faço fisioterapia em Entrecampos. Estou o melhor que posso, mas longe de me sentir bem. É como se estivesse de fora de mim a assistir a isto, a este meu andar amparado num tripé, sem me reconhecer nele.

O AVC abalou-me também psicologicamente, porque me veio impedir de fazer uma das coisas de que mais gosto: caminhar! Para além disso, tirou-me a vontade para quase tudo, até a capacidade de ler. Sinto-me esvaziado. O meu esforço actual já não é só físico, é também não perder a intenção de ultrapassar isto, por causa do Teatro, que é a minha vida.

Faço Teatro desde os 16 anos. Quando não estou a atuar, caminho pelas ruas da cidade. Vivia sozinho, mas nunca fiz da casa um lar, apenas um abrigo onde eu pernoitava. Adorava deambular, observar pessoas e, quando se proporcionava, conversar com elas, inusitadamente. Eu sou de pessoas, não de coisas materiais. Tenho telemóvel só para atender chamadas e nem carro tenho. Duas palavras me definem: ator e caminhante. Adorava apanhar o metro no Rossio, sair na Alameda e descer a Almirante Reis a pé. É na rua que sinto o mundo, não dentro de casa.

Há quase 50 anos que tomo o pequeno almoço no Café Gelo, no Rossio, espaço de tertúlia de grandes intelectuais portugueses. Os empregados já nem me perguntam o que quero. Quando está um tempo agradável, venho fumar o meu cigarro fora.

Num desses dias amenos, vi uma senhora a gesticular. Olhou para mim e disse-me: ‘Eu não sou doida! Eu falo sozinha para não enlouquecer!’ Convidei-a para se sentar ao meu lado e estivemos duas horas e meia a conversar. Despedimo-nos num abraço, ela de lágrimas nos olhos.”

(continua)

Carlos Paulo 2


(publicado a 6 de janeiro de 2024)

2|2 CARLOS PAULO - Doze passas

(continuação)

“Eu vivo atento às pessoas e vejo que elas se cruzam num vaivém constante mas não se olham. Faz falta mais troca de olhares e ouvidos para escutar.

Gosto também de observar o comportamento humano porque isso enriquece a minha capacidade interpretativa. Eu tenho de conseguir colocar-me nos diferentes personagens com o maior realismo possível.

De todas as pessoas se aprende, porque são tão diversas quantas as que estão numa plateia a assistir. Costumo dizer aos jovens atores: quando uma sala está cheia, nós não sabemos a cor da pele, o sexo, a idade, a religião, a orientação sexual ou política. Ali, todas as pessoas são apenas seres humanos que respeitamos profundamente. Isso é que é bonito: o respeito pelo ser humano.

Nesse aspecto, o Teatro, como a cultura em geral, une as pessoas, não as divide. A única limitação é a dificuldade que os mais desfavorecidos têm de chegar a ela. Mas foi também por isso que eu e o João Mota fundámos A Comuna há 51 anos. Fizemos acordos com Juntas de Freguesia para facilitar o acesso a pessoas de baixa condição económica. O João foi o meu grande amor, com quem estive 18 anos. Fizemos vida conjunta, mas afastámo-nos porque já éramos mais irmãos que outra coisa. Foi de tal forma uma relação importante, que além de fundarmos A Comuna, ele adoptou como filho um sobrinho meu, na altura com 4 anos, com quem ainda vive.

Depois dele, já não voltei a fazer vida conjunta. Optei por ficar sozinho, mas não solitário. Tinha o Teatro, os transeuntes, os amigos - paixões que eu sublimo - um mundo para observar… e uma família maravilhosa.

Sou um de sete irmãos, todos próximos e ligados. O meu pai era ultraconservador mas a minha mãe compensava em tudo. Conheceram-se em África. Casaram tinha ela 17 anos, três meses depois de conhecer o meu pai, e viveram uma eterna paixão.

Ela foi exemplar na maneira como nos educou. Dizia sempre: ‘Eu tenho sete filhos, mas cada um é um.’ E tratava cada filho da maneira mais acertada, com respeito, sentimento que hoje une os irmãos.

Se o meu Natal ainda tem alegria, devo-o à família que tenho. Já as doze passas vão todas para o mesmo desejo: voltar a ser autónomo!”

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