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“Aqui não é permitido envelhecer.” – Armando Cortez
por Maria Helena da Bernarda
(publicado a 28 de dezembro de 2023)
1|2 ÓSCAR CRUZ - Só o Cinema
“Fiz 85 anos em liberdade, até entrar na Casa do Artista em Abril passado.
Sempre prezei a minha integridade, ainda que para tal tenha mudado de rumo várias vezes, consoante os ‘acidentes’ me aconteciam. Só o cinema me agarrou verdadeiramente: fui Assistente, Produtor, Maquinista, Intérprete, Argumentista, fiz Iluminação, Direcção de Produção…, quase tudo o que era possível fazer!
Nasci em 1938, um ano antes de eclodir a II Guerra Mundial. A infância não foi fácil pois havia falta de tudo no país, incluindo bens alimentares.
Após a 4ª classe fui trabalhar para uma oficina do meu tio e padrinho, com o fito de entrar na escola industrial e seguir para a Marinha, já que o meu pai era da Marinha de Guerra e o meu tio da Marinha Mercante.
Fiz o curso de Mestrança, tendo passado mais de 5 anos na pesca do bacalhau, a bordo do Navio-Hospital Gil Eannes, pelas costas frias do Canadá, Gronelândia e Noruega.
O Parque Mayer era-me familiar, pois era lá que ficava o barbeiro do meu pai, para onde ele me levava aos fins de semana.
Um dia, tinha eu 23 anos e de férias em Portugal, fui ao barbeiro, onde conheci um director de produção cinematográfica. Estava a fazer um filme espanhol com a Marisol e o João Perry. À ultima hora, o João falhou e a pessoa que ele encontrou mais parecida era eu. Não perdeu tempo em convidar-me para o papel. Disse-lhe que não tinha escola de teatro, ao que me respondeu: ‘Não se preocupe! A gente resolve!’
Ao terceiro dia, o gerador que fornecia energia aos projectores pifou e a pessoa que tratava desses arranjos não estava. Fazendo uso do meu conhecimento adquirido na Marinha, meti as mãos na máquina e arranjei aquilo. Ao fim do dia, o dono da Cinemate, detentora das máquinas, convidou-me a trabalhar como grupista (*) durante a gravação daquele filme. E, por este acidente, ao Cinema ficaria ligado para sempre, cada vez com mais responsabilidades. Trabalhei com o António da Cunha Telles, designadamente n’O Cerco. Neste filme, onde deveria entrar o João Perry, mais uma vez ele não apareceu, desta vez por ter sido mobilizado para a Guiné. Acho que só então posso dizer que começou a minha carreira no cinema.”
(continua)
(publicado a 29 de dezembro de 2023)
2|2 ÓSCAR CRUZ - Sorriso Fatal
(continuação)
“Atuei em 10 filmes, mas foi como produtor que me destaquei. Fiz, com o Francisco Manso, a série televisiva de oito episódios ‘A Epopeia dos Bacalhaus’. Esta série é hoje um importante documento inédito, de que me orgulho. O meu último trabalho mais importante foi ‘A Selva’, realizado pelo Leonel Vieira e filmado na Amazónia, já lá vão 20 anos.
Dediquei-me ao cinema português mas não enriqueci, porque ninguém enriquece nesta profissão. Vivo de uma baixa reforma, que é quase toda entregue à Casa do Artista. Mas não me queixo. Não perdi o que não tinha, ao contrário dos cineastas como o Cunha Telles, que tiveram de vender o seu património para aguentar o cinema português.
A minha vida amorosa, como a profissional, foi agitada. ‘Casei’ seis vezes, duas das quais oficialmente. Todas elas foram mulheres importantes na minha vida, em particular a mãe das minhas duas filhas. Tenho ainda um filho, nascido fora de uma relação estável.
Não sei dizer se sou mulherengo, mas verdadeiro fui. Sou um homem e, sabe como é…, acontece um sorriso, uma troca de olhares, as duas partes atraem-se….
Não me reconheço como o mau da fita. Vivi sempre relações com muita liberdade mútua. Nunca fui de apertar ninguém nem de me sentir apertado. Nunca menti, ainda que algumas vezes tivesse de pagar o preço. Mas convivo mal com a mentira.
A minha última relação, de 14 anos, terminou após vivermos dois anos numa caravana no parque de campismo da Caparica. Em plena Covid, apanhei uma ciática e percebi que precisava de trazer mais conforto à minha vida. Ela, brasileira, regressou ao seu país e eu entrei aqui na Casa. Eu já não posso proporcionar uma vida de casal a uma mulher. Mantemos uma amizade, falamos ao telefone, mas não mais do que isso.
Não lamento nada do que fiz. Preferia não ter cometido alguns erros, mas com eles aprendi a olhar, escutar, analisar e a respeitar o próximo, especialmente o mais fraco. Para mim, as pessoas contam muito!
Vivi intensamente e saber isso não me entristece; pelo contrário, conforta-me. Tenho plena consciência de que vim para aqui, não para recuperar a saúde mas para preparar a morte. E estou bem com isso!”